domingo, 25 de junho de 2017

Contra argumento a Marcos Granconato pelo Batismo Infantil

BATISMO INFANTIL É ENSINADO NA ESCRITURA? 

                
               
           Antes de começar a examinar o texto de Granconato acerca do batismo infantil, quero deixar claro que não sou de origem presbiteriana, apesar de meu pai ter sido em sua juventude. Mas, já nasci dentro de um contexto batista reformado, portanto, anti-pedobatista; por isso, fui batizado aos doze anos. Assim permaneci até a minha mocidade. Quando de fato fui direcionado por Deus a assumir um compromisso com Ele, me dirigi a uma igreja presbiteriana a fim de aprender com aqueles irmãos.
            Nessa igreja não havia muito compromisso com a doutrina presbiteriana, não havia fidelidade deles no compromisso feito em sua ordenação que disseram crer que Confissão de Fé de Westminster é um princípio de interpretação fiel da Escritura; é uma igreja solta, sem firmeza doutrinária e influenciada por doutrinas batistas, arminianas e até mesmo pentecostais, assim até hoje, infelizmente. Como meninos agitados por todo e qualquer vento de doutrina. Mas, foi através do estudo da Escritura e observando a fundo o que os irmãos de Westminster criam e por que criam que hoje posso dizer com segurança que creio que o batismo infantil é bíblico e ordenado por Deus.     
            A base de toda a argumentação, assim como a construção de uma casa, deve ser sólida. A partir dela se constrói todo o restante do discurso. Assim o argumento é construído usando-se premissas. As premissas são as proposições de suporte que, quando tomadas juntas, supostamente levam à conclusão.
             O fato de um argumento ser construído de forma lógica, pode torná-lo válido, mas isso não quer dizer que a conclusão seja verdadeira. Não é verdadeira no sentido de que os argumentos não se alinham para levar àquela conclusão; mas a conclusão não é verdadeira uma vez que uma de suas premissas não possui base fundamental para aquela situação, ou simplesmente é falsa.
               Um argumento para ter validade ele precisa ser um argumento onde as premissas levam inevitavelmente à conclusão. Em tal argumento, a conclusão é verdadeira somente se as premissas forem verdadeiras. Contudo, é possível um argumento ser válido e, todavia falso. Se as premissas são falsas, mas o argumento é estruturado de uma forma que, se as premissas forem assumidas como verdadeiras, levaria inevitavelmente à conclusão, então o argumento seria falso, mas válido.
             Se a base não é sólida, se há tijolos podres na parede, tudo se desmorona. Entretanto, o argumento pedobatista não é único. Como Granconato ressalta, basicamente são três argumentos. Mas aqui quero alinhavar esses três argumentos não com base na tese de que se deve batizar crianças, mas alinhavá-lo a um texto com base em uma determinação clara em um texto bíblico.
          O pastor Marcos Granconato é batista, consequentemente anti-pedobatista. O mesmo escreveu um mini artigo e postou na página de sua igreja: Igreja da Redenção e tido por alguns como argumento definitivo contra o pedobatismo. Ao que parece é parte de um livro publicado.
            A história desta argumentação é, ao longo dos séculos, uma história de tentativas de derrubar o argumento proposto pelos reformadores de que as crianças, devem sim, ser batizadas. O ônus da prova está com eles.
             Este pequeno texto visa demonstrar, que assim como Granconato, outros tentaram, e outros tantos voltarão a tentar derrubar a doutrina reformada do batismo infantil. Como se ela, dentre outras, fossem heranças malditas da Reforma Protestante que deixou escapar sombras da Igreja Católica ao se desvincular dela. Como se houvesse uma certa relutância nos reformadores em não quererem se afastar demais das doutrinas defendidas por eles mesmos no passado.  De sorte que, hoje, muitos que se declaram de linha reformada, na verdade são contra ela.
            Granconato já inicia sua argumentação com a afirmação de que o Batismo infantil foi um desvio logo na igreja dos primeiros séculos. Assim argumenta:

De fato, já no século 2 há evidências de que os cristãos batizavam seus bebês, uma vez que criam no batismo como uma forma de remissão de pecados, capaz de garantir a salvação das vítimas de morte prematura. Esse chocante desvio do ensino apostólico é encontrado poucas décadas depois de concluído o Novo Testamento.[i]

            O argumento para contrastar devidamente com a base que justificaria o não batismo dos infantes deveria partir do mesmo ponto principal que os que não batizam usam, o argumento bíblico. Esse dado histórico não se constitui na base do pedobatismo, antes, é um tijolo na parede.
            Da mesma maneira o argumento se constitui em uma falácia, pois já define que a igreja em seu começo, já havia se “desviado do ensino apostólico”. Vê-se que aqui, seu argumento partiu de seu pressuposto de que havia um desvio, não argumentou com base em nenhum texto bíblico.
             O argumento de Granconato começa a ser construído comparando tijolo histórico ao invés do alicerce, refutando o tijolo ao invés do alicerce. Caso a base bíblica dos pedobatistas fosse falsa, aí sim, o tijolo poderia ter sido levado em conta também para mostrar toda a fragilidade da estrutura.
Logo em seguida ele usa o seguinte argumento:
“Menno pesquisou diligentemente as Escrituras e considerou seriamente a questão, mas não pôde encontrar nada sobre o batismo infantil. Ele chegou à conclusão de que “todos estavam equivocados sobre o batismo infantil... como Menno Simons descobriu, não há nenhum fundamento bíblico que favoreça essa prática.”[ii]

          Essa é um tipo de falácia do tipo “argumentum ad novitatem”, sendo um apelo para aceitação do argumento tendo como base a novidade trazida por Menno. Como se a novidade no entendimento bíblico fosse base para sua interpretação fidedigna que ninguém havia tido antes.
           O mesmo tipo de argumento se vê nos Adventistas, quanto à questão do sábado. O argumento adventista ganhou força, ali, dizendo que a igreja por muitos séculos se viu obscura da verdade e que a novidade trazida por Joseph Bates, que dava importância à guarda do sábado, e depois endossado por Ellen White como uma doutrina que, se não observada, conduziria ao inferno. 
           Posteriormente Granconato afirma que a base bíblica para o pedobatismo é o texto de Atos 16.27-34. Assim diz: “O primeiro desses argumentos (e talvez o mais popular) é construído a partir da história narrada em Atos 16.27-34, referente à conversão do carcereiro de Filipos e seus familiares.”. Essa é uma outra falácia, a do tipo “dicto simpliciter”. Ou seja, argumenta dizendo que a argumentação pedobatista se baseia nesse texto por, talvez, ser a mais popular. O que não está nem mesmo próximo da verdade. Esse texto de Atos a que ele se refere, é uma parte do argumento dos pedobatistas como prova de que o pedobatismo foi praticado pela igreja primitiva, o texto não é o fundamento doutrinário, apenas ajuda na sua comprovação.
             As pessoas que geralmente fazem uso desse texto, Atos 16.27-34, o fazem em redes sociais, em debates abertos, etc. o que não significa dizer que esse texto faz parte da base argumentativa dos pedobatistas de uma forma isolada. Volto a dizer, não é a base, é comprovação histórica. E, analisado fora do contexto de toda a argumentação, obviamente se desvanece como aconteceria com qualquer outra doutrina verdadeira.
Em seguida ele expõe a teologia do pacto como base argumentativa dos pedobatistas e, até mesmo, em suas palavras, merece uma maior atenção.
“É o caso do argumento relativo ao Pacto. Os pedobatistas entendem que, assim como os bebês dos israelitas eram circuncidados pelo fato de seus pais pertencerem ao pacto entre Deus e a nação judaica (Gn 17.10-14), da mesma forma os bebês dos crentes devem ser batizados, uma vez que seus pais, desde o dia em que se converteram, tornaram-se participantes do mesmo pacto por intermédio da fé em Cristo (Gl 3:7, 29).”[iii].
Digamos que esta, seria outra parte do argumento do alicerce básico, o texto bíblico que aponte a prática pedobatista como sendo ela requerida. Sim, a teologia do pacto é de fato a base teológica para o batismo infantil. Mas, isso precisa ser visto dentro do todo.
Levemos esse ponto um pouco mais adiante com respeito ao uso de uma referência teológica, Louis Berkhoff.
O teólogo reformado Louis Berkhof (1873-1957) diz expressamente: “Os filhos dos crentes são batizados porque estão no pacto, independentemente da questão se já são ou não regenerados”.[6] Levando esse raciocínio às últimas consequências, muitos de seus expoentes têm insistido, inclusive, no direito que os bebês, filhos de pais crentes, têm de participar até mesmo da ceia (!).

E Granconato contra argumenta:

Se essas crianças realmente fazem parte da aliança, dizem, sendo por isso batizadas, por que impedi-las de participar da eucaristia que, como o batismo, é também um símbolo pactual?
        
             Esse é outra argumentação falaciosa, desta feita do tipo: “reductio ad absurdum”. Onde, de forma arbitrária e subjetiva, pega o pensamento do autor e o leva ao absurdo sem considerar que o absurdo encontrado pode conter um erro de lógica. Com respeito a isso, adianto, Paulo é bem claro: “...quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” porque só podem participar da ceia quem é batizado, mas nem todos os que são batizados podem participar da ceia.
Mais uma vez a parte é considerada como todo:
Retomando a defesa do batismo infantil, os pedobatistas afirmam que no passado o símbolo do pacto foi a circuncisão, mas, como ela foi anulada (Gl 5.2, 6; 6.15), o batismo a substituiu. Assim, de acordo com essa visão, o batismo infantil é o correspondente cristão da circuncisão judaica. Essa conexão entre circuncisão e batismo é defendida especialmente com base em Colossenses 2.11-12.

                 Aqui, de fato, a visão geral do pedobatismo é vista, mas seu ensino distorcido. Ele afirma: “...o batismo infantil é o correspondente cristão da circuncisão judaica”. Esta questão será melhor vista quando tratarmos desse ponto.
Objeções levantadas por Gangronato.
Primeiro: a noção de que a participação dos pais crentes no Novo Pacto autoriza o batismo de seus filhos, da mesma forma que a participação dos pais israelitas no Velho Pacto impunha-lhes o dever de circuncidar seus bebês merece grave objeção. Isso porque o bebê israelita não era circuncidado porque seus pais eram israelitas. Ele era circuncidado porque, sendo filho de judeus, “ele próprio” era israelita. A “causa direta” da circuncisão do bebê judeu não estava nos pais, mas no próprio bebê, no fato de ele mesmo ser um judeu. Ora, não é esse o caso dos filhos dos crentes. Estes não nascem crentes, inexistindo neles próprios qualquer razão para que recebam o batismo. De fato, se o filho do israelita nascia israelita e, por isso, era circuncidado, o filho do cristão, por sua vez, não nasce cristão, não havendo razão nenhuma para ser batizado.

           Esta contra argumentação nasce do pilar que afirma que uma criança era circuncidada em Israel, não por que era filha de um israelita, mas por que a própria criança era um israelita. Esse é um argumento que deve ser desprezado, pois essa não é a base da argumentação pedobatista com respeito à circuncisão.
             O selo do pacto não era com uma nação do que diz respeito a territoriedade, língua, etc. Percebemos que este selo se tratava de um selo de aspecto espiritual, não de nacionalidade quanto à carne.
Tal fato é facilmente percebido em um único texto, o que dizer de vários?
O cerne da aliança.
Gênesis 17:7  “Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência. Gênesis 17:9-11  Disse mais Deus a Abraão: Guardarás a minha aliança, tu e a tua descendência no decurso das suas gerações.  Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado.  Circuncidareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de aliança entre mim e vós.”

                    A aliança proposta por Deus, de fato alcançaria a descendência de Abraão. Mas aqui, de fato, Deus propõe apenas a descendência segundo a carne? Por que esta é a proposta de contraponto daqueles que argumentam contra a ideia de que o batismo não é a continuidade da circuncisão na Nova Aliança.
                      A circuncisão era, para os judeus, um sinal que os fazia lembrar de que todos que descendiam de Adão, e pela própria semente reproduziam a corrupção provocada na queda. A amputação desta parte do membro era para mostrar que esta herança precisava ser lembrada. O lado positivo do ato, era de que a promessa dada a Abraão, através de sua descendência todas as nações seriam abençoadas:[iv] “...em ti serão benditas todas as famílias da terra...”. A semente bendita prometida ao Diabo que lhe pisaria a cabeça, seria da descendência de Abraão, é a “semente de vida e salvação, é Jesus Cristo”[v]. Como bem entoou Maria a respeito do Messias que era gerado em seu ventre: “Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da sua misericórdia a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre, como prometera aos nossos pais.” (Lucas 1:54-55).
                      Esse sinal de fé poderia ser posto em qualquer homem que quisesse assumir, para sua casa, a fé concernente ao mesmo, não somente ao povo de Israel. Quando Moisés recebeu de Deus a incumbência da instituição da páscoa ele ouve a advertência: “...Esta é a ordenança da Páscoa: nenhum estrangeiro comerá dela.” (Êxodo 12:43). Entretanto havia uma possibilidade de o estrangeiro participar: “Porém, se algum estrangeiro se hospedar contigo e quiser celebrar a Páscoa do SENHOR, seja-lhe circuncidado todo macho; e, então, se chegará, e a observará, e será como o natural da terra; mas nenhum incircunciso comerá dela.” (Êxodo 12:48). Seria ponto pacífico a páscoa ter sido substituída por outro sacramento da Nova Aliança? Ceia? Mas participar da “Ceia” no AT, era necessário ser circuncidado. E isso por qualquer pessoa que abraçasse o sinal do pacto por meio da circuncisão, então poderia participar da páscoa.
              Da mesma forma, Jesus, ao ver que os discípulos impediam de as crianças chegarem até Ele advertiu: Mateus 19:14  “Jesus, porém, disse: Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus.” Isso coloca as crianças como integrantes da igreja, mas não pode ser levada à conclusão de que estão salvas, não é esse o ponto de discussão aqui. Vemos que Jesus ao falar do reino dos céus, expõe também parábolas para exemplificar como a parábola dos Talentos, ou das dez virgens.
Todas as parábolas mostram que no Reino dos Céus haverão pessoas serão salvas e outras não. Como afirma: Mateus 25:1  “Então, o reino dos céus será semelhante a dez virgens...”  Veja que o a definição de semelhança do Reino não é apenas com as que foram salvas na parábola, mas semelhança do Reino é com todas elas. Dizendo com isso que o Reino dos Céus é com respeito à igreja visível, não com respeito à igreja invisível.
            A outra questão da circuncisão como não sendo meramente uma marca genealógica nacionalista é encontrada em vários textos. Quando Moisés falava acerca da escolha de Deus aos descendentes de Israel, seria justo afirmar pelo argumento anti pedobatista de que a circuncisão seria o que diferenciaria Israel de outros povos. Fisicamente sim, mas essa não era a premissa essencial. Essa marca requeria outra:
·         “Circuncidai, pois, o vosso coração e não mais endureçais a vossa cerviz.”  (Deuteronômio 10:16).  
·         Circuncidai-vos para o SENHOR, circuncidai o vosso coração, ó homens de Judá e moradores de Jerusalém, (Jeremias 4:4).
·         Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo  (Atos 7:51)
            Veja que Pedro faz uma asseveração quanto ao batismo e o iguala à mesma ideia da circuncisão: “...a qual, figurando o batismo, agora também vos salva, não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo;” (1 Pedro 3:21). O que se percebe é que a circuncisão em nada é inferior ao batismo. Pois, ambas não dão valor ao rito externo. Os sinais são diferentes na aparência, mas são iguais na sua essência.
         Indo um pouco mais nesse aspecto da nacionalidade, vejamos o que Paulo fala da descendência de Abraão.
“...nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência.  Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa.” (Romanos 9:7-8)

             Isaque e Ismael receberam a circuncisão. Os dois, naturalmente, eram herdeiros de sangue, filhos de Abraão. Entretanto, apenas um foi levado em consideração, porque? A circuncisão externa marcaria um povo externamente, mas a marca externa, como visto em textos anteriores, requer também uma marca interna. Esta, para Deus, de fato é a marca que os faziam ser seus descendentes, e por conseguinte, herdeiros da promessa.
             Desta forma, Granconato está certo ao afirmar que: “Isso porque Colossenses 2.11-12 fala claramente da circuncisão do coração e do batismo do crente na morte de Cristo, ou seja, trata de realidades espirituais e não de ritos externos.” Entretanto, quando Paulo faz uso da equidade da essência com uso das palavras: “Nele, também fostes circuncidados” em 2:11 falando acerca do modo como foram circuncidados e trouxeram o seu simbolismo através do batismo mostrando uma realidade espiritual, ele aponta a equiparação dos dois ritos.  Isso não tem como ser evitado. Dizer que não existe a equiparação é amputar o texto.
               No texto referido de Colossenses, a temática dos versículos 11 ao 17 é uma séria advertência ao judaísmo que rondava a igreja de Colossos, juntamente com aspectos pagãos. Um sincretismo judaico/pagão. Paulo combatia aqui a sombra desse sincretismo rondando a igreja de Colossos. Aqui ele alerta para que os irmãos não se deixassem circuncidar literalmente, para não se ensoberbecerem na carne. (v.23).
Então Paulo afirma que de fato eles já haviam sido circuncidados com uma circuncisão que se sobrepunha a qualquer rito externo.

“Colossenses                                              
Rito judaico
Obra do Espírito Santo 
    (não de mãos)
                 
Operação manual (pequena cirurgia)
Interna, do coração. Ver Rm 2.28,29 Fp 3.2,3
                   
externa

O despojar e o lançar fora   
 (note o prefixo em apekdysei
da totalidade de vossa nature-
za pecaminosa (=”o corpo da
carne”), no seu aspecto santifi-
cante a ser realizado progressi-
vamente
            
Remoção do excesso de pele
Cristã
(“A circuncisão de Cristo”, isto é, a circuncisão
que é vossa por causa da
vossa união vital com Cristo”[vi]

Abraâmica e mosaica


            Entretanto, Paulo não encerra sua descrição da circuncisão da que o povo na igreja de Colossos já havia recebido, e continua: “...tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados...” (Colossenses 2:12).  A questão pertinente é por qual motivo Paulo faz uma conexão entre “no batismo” com “igualmente fostes ressuscitados com Cristo”? Claramente, aqui, Paulo exclui qualquer tipo de misticismo, ou valor espiritual quanto ao rito do batismo em si mesmo. Da mesma maneira que não há conexão intrínseca entre o ato do batismo e a condição do coração daqueles que se submetem ao rito e dizem crer no evangelho. A base está no que Paulo assevera a seguir: “...mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos.” (Colossenses 2:12). Ao ouvir o evangelho, o homem deve entregar-se totalmente a Deus, cujo poder ressuscitou a Cristo dos mortos.
            Desta feita, onde encaixar a ideia “no vosso batismo”? Paulo desqualifica a circuncisão neste texto como ato pertinente à Nova Aliança, e no seu lugar qualifica o batismo como rito para esta dispensação. Da mesma forma se vê que em Romanos 4.11 sobre a circuncisão ser um sinal do selo, o mesmo é para o batismo. Em Colossenses, o batismo é o sinal e selo da nossa união mística com Cristo, e de que agora fazermos parte de sua descendência prometida a Abraão, da descendência que seria abençoada em todas as nações, por meio do Descendente de Eva.
            Granconato sai do texto de Colossenses e se volta ao texto de Atos no concílio da igreja em Jerusalém para tratar da circuncisão.
         O que chama a atenção no curso dos debates em Jerusalém é a preleção de Pedro contra a necessidade da circuncisão (At 15.6-11). Ele havia batizado todos aqueles gentios que tinham se convertido na casa de Cornélio (At 10.47-48). Ora, se para ele o batismo correspondesse à circuncisão exigida pelos seus oponentes, por que não fez essa alegação em seu discurso? Por que Pedro não disse: “Meus irmãos, os gentios foram circuncidados sim, mas pelo novo método que é o batismo!”. Nenhum outro momento da história bíblica seria mais apropriado para enunciar esse ensino e calar de vez a boca dos cristãos judaizantes. [vii]

.           Com base em que Granconato arguiu Pedro de não ter feito essa exposição nesse texto? Quem é Granconato para arguir a inspiração de Pedro não ter dito tal coisa? Ele simplesmente não colocou porque o Espírito não o inspirou a colocar tal exposição. Pedro não era obrigado a falar. Simplesmente isso.
           
            Mas ele insiste em ser refutado:
“Quanto ao argumento construído sobre Romanos 4.11, em que a circuncisão é chamada de “selo da justiça da fé”, este também é facilmente desfeito. Conforme visto, seus proponentes afirmam que a circuncisão judaica, um selo da justiça da fé, devia ser aplicada a bebês sem fé, de modo que, segundo eles, nada pode haver de errado em fazer o mesmo com o batismo, outro selo da justiça da fé. Essa linha de raciocínio, contudo, está equivocada, pois, ao chamar a circuncisão de selo da justiça da fé, Paulo se refere à circuncisão específica de “Abraão”.”[viii]
            Creio que a afirmativa acima de que o argumento construído em Romanos 4.11 ser facilmente desfeito é injustificada. Uma vez que quando esse texto é utilizado para argumentação acerca da substituição da circuncisão pelo batismo, ele serve apenas de ponte de apoio para conduzir ao texto onde se termina a argumentação. Sem levar a cabo a análise da argumentação dos pedobatistas nesse texto o contra argumento não tem efeito.
            Da mesma forma o argumento pedobatista não considera o fato a quem a circuncisão foi feita, mas dos benefícios dela, independente em quem foi realizada. Paulo está dizendo que estes
...são selos pelos quais as promessas de Deus são de certa forma impressão em nossos corações, e a certeza da graça é confirmada. Embora eles, inerentemente, são de nenhum proveito, todavia Deus os designou para que fossem instrumentos de sua graça, e pela graça secreta de seu Espírito promovem o bem dos eleitos através de seus efeitos. Ainda que para os réprobos eles sejam símbolos inanimados e inúteis todavia retêm sempre seu poder e seu caráter... uma dupla graça foi representada pelo sinal da circuncisão. Deus prometeu a Abraão uma progênie que seria abençoada. Era através desta progênie que a salvação seria contemplada pelo mundo inteiro. Deste fato depende a promessa: “Estabelecerei minha aliança entre mim e ti e tua descendência no decurso de suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e o de tua descendência” (Gn 17.7). Portanto, neste sinal estava inclusa a reconciliação gratuita com Deus, e a analogia correspondia ao sinal suficientemente para que os crentes pudessem olhar para a progênie prometida. Deus, de sua parte, exigia integridade e santidade de vida e mostrou pelo símbolo como isso podia ser alcançado, ou, seja: por meio da circuncisão de algo muito importante no homem que é nascido da carne, visto que toda sua natureza é corrupta. Deus, pois, instruiu a Abraão, por meio do sinal externo, a circuncidar espiritualmente a corrupção de sua carne.[ix]

       De forma parentética Moisés cita a mesma ideia; “Circuncidai, pois, o vosso coração e não mais endureçais a vossa cerviz”. (Deuteronômio 10:16). Tendo a finalidade de mostrar que uma simples cirurgia não circuncidaria o coração, ou mesmo uma pretensa conversão levasse alguém a circuncidar-se falsamente, ordenou que os recém-nascidos também fossem circuncidados. Os infantes não poderiam cumprir este mandamento.   
          Se a circuncisão era um selo da fé para Abraão no sentido de que somente poderia recebê-lo se já tivesse crido, isso seria uma lástima. A fé do qual a circuncisão era selo, só poderia, e somente ser hoje pelo batismo na vida dos que fossem eleitos, independentemente do tempo da circuncisão, ou do batismo. Não foi com Isaque? Ele foi circuncidado porque creu aos oito dias de nascido? Então por que motivo Abraão é tido como aquele que recebeu o selo da fé por meio da circuncisão? Da mesma maneira a nação de Israel que já cumpria o rito desde Abraão, muitos, poderiam de fato crer, somente após muito tempo depois de haverem sido circuncidados.  É o que vemos em Deuteronômio 30:6: “O SENHOR, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares o SENHOR, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas.” Circuncidados na infância, mas regenerados apenas quando adultos.
          Da mesma maneira que havia na circuncisão dois momentos distintos: a cirurgia física pelo homem e a cirurgia espiritual por Deus, o mesmo se vê no batismo:  o batismo com água (físico realizado pelo homem) e a conversão (espiritual realizada por Deus).

Retornemos aos apóstolos.
            A circuncisão inseria o indivíduo, fosse israelita, fosse estrangeiro, ou escravo no corpo da Igreja Visível do AT, a nação de Israel. Mas, apenas a circuncisão do coração é que de fato o tornava participante do Israel de Deus, segundo Romanos 2:29 “ Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus.” Nada garantia a entrada no Israel espiritual, exceto a circuncisão do coração promovida por Deus conforme visto em Dt 30.6.
             O mesmo é com o batismo. O batismo coloca o homem que recebe esse selo como sendo participante da igreja visível. Nada, mas absolutamente nada garante que todo aquele que é meramente batizado será salvo. E esse é o entendimento da igreja católica com respeito ao batismo infante. Para eles, esse rito coloca o infante não somente participante da igreja visível, como também da invisível. O que, até aqui, vimos, não passa de uma heresia. Mas o batismo tão somente diz que ele é membro na igreja visível como vimos na afirmação de Cristo com respeito às crianças: “...dos tais é o Reino dos Céus”.
               Mas, esta igreja invisível está inserida dentro da igreja visível. Com joio e trigo, tudo é igreja. No AT, recém nascidos e adultos entravam na igreja por meio da circuncisão. Essa trazia a promessa de que por meio da descendência todas as famílias da terra seriam abençoadas, mesmo ante toda a terra ter sido amaldiçoada (Gn 3), ali abria-se uma porta de benção. E como sinal desta benção, a circuncisão física foi instituída mostrando a promessa de misericórdia, remissão de pecados e vida eterna promovida por Deus na circuncisão do coração.
              O princípio da circuncisão permanece ainda hoje, seu rito não.  Não existe um único princípio de lei espiritual mostrado no AT que não tenha permanecido nos nossos dias. A forma de aplicação pode ter mudado em alguns, como o Shabath, princípio do descanso; bem como o sinal externo de uma aliança, e interno de uma conversão verdadeira, circuncisão e batismo.
              Paulo argumenta nesse sentido em Efésios 2 dizendo que os gentios estavam longe da salvação, porque não haviam sido circuncidados, “sem Cristo separados da comunidade de Israel, estranhos à aliança da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo”. É daí é que Pedro conclui quanto ao que deveriam fazer aqueles judeus e homens de toda a parte do mundo o interpelaram após sua pregação. Ele determina: “Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.” (Atos 2:38). Entretanto, a conclusão de Pedro determina quanto a quem deveria receber esse sinal da Aliança prometida: “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar.” (Atos 2:39). A promessa da aliança foi feita também aos filhos, não apenas aos adultos:
·         Gênesis 17:7  Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência.     

       Ademais, finalmente, vejamos o confronto de dois versículos que tratam exatamente de batismo e conversão.
Marcos 16:16  “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado.” 
       Este versículo é comumente utilizado para defender o não batismo de infantes. Dizem que é necessário primeiro crer e depois ser batizado. E como crianças não podem expressar sua fé, então não podem ser batizadas.
       A primeira questão a ser tratada aqui é com respeito ao “e” encontrado entre o “crer E for batizado”. O “e” não pode ser encarado como forma de ordem cronológica, nem na língua portuguesa, nem mesmo na língua grega. O termo “e” é: και kai e sua função é que tem: “uma ação aditiva e algumas vezes também uma força acumulativa”[x]. Isso quer dizer que o “e” não tem força de ordem cronológica de eventos, mas acumulativa de eventos.
       Um exemplo fácil seria uma mãe dando ordem ao filho: “João, vá para mim na farmácia e no açougue”. Nesta ordem não implica em que João tenha necessariamente de ir primeiro na farmácia e depois no açougue. O que ele tem a fazer é ir nos dois lugares para que a ordem seja inteiramente cumprida.
       Desta feita vemos que outro versículo confronta a ideia de primazia quanto ao “crer” no versículo de Marcos 16. O que menciono é o texto de João 3:5: “ Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus.” Veja que Jesus está falando a Nicodemus quanto à maneira lícita de entrar no Reino de Deus. Jesus aponta duas coisas: “nascer da água” e do “Espírito”. Estas são claras citações a duas coisas: Conversão e batismo. Entretanto, a conversão aqui não veio anterior ao batismo. Aqui ela é mostrada em tempo posterior ao batismo.
       Se em Marcos 16 há uma cronologia por causa desse “E” então eu devo determinar que aqui primeiramente se deva batizar para então depois converter, por que o mesmo “E” também estaria definindo uma cronologia. Mas o que isso quer dizer? Obviamente vemos que não há determinação temporal para o batismo. Assim para os filhos de crentes é determinante o batismo e depois sua conversão, assim como eram circuncidados os filhos de crentes no AT e depois o Senhor operava a conversão, como visto anteriormente. Mas para adultos, novos convertidos, certamente há necessidade de se crer primeiro.
       Esta era a premissa de Marcos 16. A ordem para se pregar o evangelho obviamente era para adultos. E, teria de vir acompanhada após a conversão o batismo. Não se pregaria evangelho para infantes isso é ilógico. Mas, como vimos não invalida a ordem de batismo dos mesmos.
       Vemos também que na ordem de Jesus em Mateus 28.18-20 Ele deixa claro que os que estão sendo ensinados, necessariamente devem ser batizados para então literalmente os discípulos cumprirem o “Ide”. Então perceba que os filhos dos crentes, infantes, devem ser ensinados “na disciplina e temor do Senhor” (Efésios 6.4) desde a mais tenra infância. Então, a dedução lógica é que se estão sendo ensinados no caminho do Senhor, também devem ser batizados.
       A outra questão é que o texto de Mateus da grande comissão complementa o texto de Marcos. Primeiramente por que ele é maior, mais denso nas informações ali descritas. E, segundo o texto de Marcos, afirma que ‘quem crer e for batizado será salvo”; e se levarmos ao pé da letra como uma necessidade de ordem cronológica de eventos, bem como assumir a preponderância de ser batizado após a conversão como querem os anti pedobatistas, quem crer mas não for batizado então não será salvo. O que definitivamente nunca poderá ser afirmado.

       Espero que com estas linhas, ao menos estejam esclarecidos um pouco mais acerca da posição reformada sobre o batismo infantil.

 Que Deus os abençoe.
Pr. Júlio César Pinto

      





[ii] IBID
[iii] IBID
[iv] Calvino, John. Institutas. Vol 3. Pg 154-155. CEP. 2006.
[v] IBID, pg 155
[vi] HENDRIKSEN, William. Comentário a Colossenses e Filemon. CEP. 1993. P. 146
[vii] Granconato, IBDEM
[viii] IBID
[ix] CALVINO, João. Comentário a Romanos, PARAKLETOS 2001, P. 157
[x] STRONG